P.S

"A escrita
é a única forma perfeita do tempo"
[Jean Clézio]

Não ouse pergunta-me o porque, nem procurar-me nos ventos dessa cidade. A névoa não o deixaria ver-me, você sabe.

Nesse exato momento, você está sentado no último degrau do seu Duplex em frente a porta do quarto. O envelope está em suas mãos e sua cabeça dá voltas e voltas. Você imagina o que está escrito. Sabe que não é digitado, pois ao olhar de esguela o papel, vê que existem borrões de caneta. Mas tem medo. De quem será a caligrafia? Serão as letras da sua melhor amiga, com os pingos dos "I's" em forma de coração? Serão as letras perfeitamente redondas da sua mãe? Ou serão aquelas tais letras puxadas para o lado?
O que te faz tremer?

Você resolve não lê-la. Joga a carta escada abaixo, mas não resiste. A curiosidade sobrepõe qualquer outro sentimento. Desce os degraus, um a um, pega o envolope contendo a carta e senta naquele sofá, enfrente aquela janela.Toma coragem e abre. Não presta muita atenção na caligrafia. Pois você nota os corações no canto direito do papel e os reconhece do conjunto de folhas do meu fichário. E por fim, sem mais conseguir se conter, você lê as palavras do nosso passado, que nos prendem ao presente:

"Eu te amo...

P.S: Não ouse pergunta-me o porque, nem procurar-me nos ventos dessa cidade. A névoa não o deixaria ver-me, você sabe."


E em reflexo, você se pergunta: "Então por que me deixou?"